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JA – Gostávamos de lançar um tema que é muitas vezes considerado “desconfortável” pelos arquitectos: o belo e a beleza.

Nuno Brandão Costa – Não é uma questão nada desconfortável porque acho que a arquitectura é uma arte. E a arte, no limite, é sempre a busca do belo; o que nós fazemos, em última análise, ou seja, para além das questões funcionais e técnicas, quer no princípio quer no fim – quando se está a começar a conceber ou quando se acaba a obra –, o que tentamos encontrar, é a beleza. Esta é a minha perspectiva. Não tenho desconforto nenhum, porque acho que a arquitectura – ainda não me disseram o contrário –, é a arte do espaço e da construção ou o que lhe quiserem chamar; mas não deixou de ser uma arte e a ideia de beleza está sempre associada a este lado “artístico”.

 

Se estivéssemos a entrevistar Pancho Guedes, imaginamos que a sua resposta seria provavelmente idêntica. No entanto, parece-nos que cada um chega à beleza por
processos próprios...

Posso fazer as coisas de uma determinada forma, que nem será  “explicável”, e outro fará de outra maneira e Pancho Guedes fará de outra, porque há um “fundo estrutural” da personalidade. Cada um tem uma formação, uma cultura, a própria educação; faz as coisas à sua maneira. Mas isso não me impede que olhe para coisas que nada têm que ver com o que faço, e que não as ache lindíssimas. Ficamos intelectualmente muito limitados se só conseguirmos encontrar beleza em coisas que têm empatia com aquilo que fazemos. Por isso é que encontro beleza em muitas coisas que o Pancho Guedes fez. Inclusive, no próprio discurso a que recorre quando está a explicar as coisas. Há ali uma carga emocional que é orgânica ou expressionista como a obra dele; embora eu nunca assumisse aquele discurso, consigo reconhecer-lhe a beleza.

 

Se tentássemos encontrar algum conceito, alguma explicação, para o que possa ser a beleza do ponto de vista contemporâneo, onde é que poderíamos encontrar esse
conceito?

Não sei até que ponto isso é possível; pode até ser “limitador”. Mas, em arquitectura, o conceito de beleza vem sempre de trás. É difícil dizer: “Agora o que é belo é isto”; ainda por cima as obras são recorrentes, olha-se para uma obra e, quase que por deformação, ou por erro de formação, tenta-se imediatamente estabelecer um paralelo com outras que se conhece ou com a História. Em relação ao Museu Paula Rego [Eduardo Souto de Moura, Cascais, 2009], toda a gente diz: “Aquelas chaminés vêm de não sei onde”; é um bocado difícil compartimentar um conceito de beleza a uma época, a um determinado momento. É evidente que não quero dizer que o conceito de beleza não evolua; o que acho é que, até ao século XX (ou incluindo já o modernismo) havia estilos e a beleza estava associada a estilos...

Ao modo “correcto” de desenvolver um certo modelo?

Eram estilos. O último estilo que se conhece é talvez o Internacional Style ou, eventualmente, algum estilo pós-moderno, que terá existido mas que terá tido pouco sucesso temporal. Mesmo o modernismo, num certo sentido, não é muito diferente do neo-clássico, porque há uns princípios de composição... por exemplo, aqueles arquitectos portugueses, Viana de Lima, Arménio Losa ou, em Lisboa, Ruy Athouguia: identificam-se princípios de composição; é uma coisa muito clássica, muito beaux arts, não é? E estes princípios de composição têm que ver com o equilíbrio, e todas estas noções têm que ver com beleza. Estas palavras, equilíbrio, harmonia, composição têm que ver com beleza.

Hoje em dia, o estilo, aparentemente, já não existe, ou, pelo menos, é mais fragmentado; o referencial dos arquitectos é muito díspar e, geracionalmente, é também muito fragmentado. É mais difícil identificar “estilos”; identificam-se linguagens, que é uma coisa diferente.

 

Em arquitectura, o estilo foi substituído por personalidades artísticas?

Sim, por linguagens.

 

E qual é a diferença entre estilo e linguagem?

O estilo é basicamente uma regra de composição, associada a uma qualquer ideia ou conceito de uma determinada beleza. Claro que o modernismo é um estilo que está também associado a conceitos de funcionalidade... E a uma nova interpretação urbana do modo de fazer a cidade; é mais complexo.

E associado aos novos materiais, às potencialidades do betão...

... e à tecnologia.

Actualmente, a questão já não é tanto o estilo; num certo sentido acaba por ser uma situação mais artística, mais idiossincrática. A linguagem está mais ligada a esta ideia da expressão e há arquitectos que têm linguagens muito diferentes. Vê-se muito isto, sob diversas formas; um pouco naquela arquitectura que vem da Holanda, através de Rem Koolhaas, e que depois Jacques Herzog acabou também por repegar.

Chamo-lhe neobrutalismo, porque há esta expressão tectónica das coisas, dos edifícios, retirados de uma expressão orgânica ou de uma expressão da natureza. Depois há uma linha muito mais abstracta. Por exemplo, em relação à Casa da Música, toda a gente diz que aquilo é um meteorito, uma pedra, é um elemento retirado de uma forma natural. Este brutalismo tem formas mais orgânicas; mas, o próprio Peter Zumthor, que é um  arquitecto aparentemente abstracto, também faz coisas que podem ter relações com esta interpretação imediata dos elementos naturais.

 

A este neobrutalismo mais abstracto que neobrutalismo contrapõe?

Um neobrutalismo orgânico. Porque o brutalismo inglês é abstracto, tem origem numa linha mais abstracta, que vem directamente do modernismo, na qual os edifícios são peças completamente abstractas, geométricas...

Depois, mais tarde, nos anos de 1980, aquilo que se chamou minimalismo, esta coisa de pôr uma peça completamente abstracta, sobreposta à natureza: há uma paisagem e, sobre ela, um elemento geometricamente artificial.

Se me perguntam qual é a linha com a qual me identifico mais, sob o ponto de vista do método de trabalho, será esta segunda “linhagem”. Isto não significa que não olhe para alguns desses edifícios, por mais “horrendos” que sejam, e não lhes encontre imensas qualidades estéticas e beleza. Mas há outras coisas; porque ainda há resquícios do high-tech, vê-se, inclusive, estas linguagens todas a serem cruzadas num só edifício. Todos nós já vimos edifícios com um ar “orgânico” pendurados em cima de umas treliças metálicas. Por isso é muito difícil, agora, identificar um estilo; porque um estilo é uma coisa ortodoxa, ou seja, tem uma linhagem, princípios de composição; no Internacional Style não se faziam caixas de vidro pousadas em cima de um rochedo; e hoje, isso pode acontecer...

 

Dentro dessa pluralidade de linguagens, onde é que colocamos Álvaro Siza, por exemplo?

Siza é antes disto; ou seja, Siza é como Frank Gehry, tem uma linguagem muito própria, não tem referencial. A referência dele é o estudo da arquitectura, e a sua própria forma de trabalhar a disciplina. É um dos autores de referência, não consigo encaixá-lo numa classificação.

 

Há arquitectos que constroem referências (chamemos-lhes assim) e outros que vão seguindo e explorando essas referências... é assim?

O processo é esse, e é comum à arte e até à própria literatura... Só que agora, já não se trata de um paradigma, porque não é estático. Muitas vezes, o próprio objecto (edifício) é aquilo que serve para ser reproduzido e re-intrepretado por outros... a Zaha Hadid esteve muito tempo sem construir mas criou uma linguagem. Hoje já não há cânones.

 

Então onde está hoje a beleza?

No projecto ou na obra, a procura dessa beleza tem que ver com a ideia de perfeição.

 

A perfeição em que aspecto? Da execução?

A perfeição da execução; mas também do objecto ter uma proporção, um equilíbrio, uma relação ideal com o seu entorno, com a paisagem, com o espaço... É isto tudo, e é muito difícil exprimir por palavras. É um somatório de coisas. No fundo, a questão é quase um processo de estruturação. A ideia é sempre esta: ir construindo um objecto que tem que ver com uma ideia de beleza, sobretudo, de equilíbrio da forma, da composição.

 

Enquanto professor, a beleza é um conceito que ensina?

É, no sentido em que uso as palavras feio e bonito, sem problema nenhum. Em última análise, o que se tenta transmitir ao aluno – com as questões da técnica e da funcionalidade –, é que tudo tem que ser trabalhado no sentido de criar um objecto, um projecto, um edifício, que tenha um equilíbrio. E esse equilíbrio tem que ver com forma, proporção, espaço; o conjunto harmónico destas coisas é o que considero a beleza na arquitectura.

Mas o meu bonito e o meu feio têm de ser sempre os meus. O exercício do professor de Projecto1 é tentar meter-se na cabeça do aluno; isto é um pouco pretensioso, mas acho que o exercício é um bocado esse.

 

O estilo ensina-se?

A Escola do Porto não é uma escola de estilo. Há situações, no estrangeiro, por exemplo – 
isto não é uma crítica – nas quais há uma “escola de estilo”; os alunos do Zumthor, por exemplo, tendem a projectar “termas”. Tenho alunos que foram para Mendrisio [Accademia di Architettura di Mendrisio] e descrevem esses processos de “estilo”, tudo muito escolástico. A Escola do Porto, neste momento, já não é nada disso. Talvez haja uma certa “tendência” na linguagem (quando estou a falar em linguagem, estou mesmo a falar dos alçados, da imagem final, etc.). Mas depois, sob o ponto de vista da proposta da forma e da lógica espacial, acho que aí não há uma escola. Provavelmente não sou a pessoa mais indicada para o dizer, estou lá há muito tempo e estou viciado.

 

Voltando atrás, como se obtém o equilíbrio?

É mais fácil explicá-lo de outra maneira: o instrumento que tenho, que me facilita essa procura, é o desenho; é um processo de redesenho: desenhar sobre o desenho... O desenho e as maquetas.

 

Não conseguimos objectivar a questão da beleza, é isso?

Acho que se consegue objectivar, olhando-se para as obras. Cada um vai pôr a sua noção de beleza sobre aquilo; uns vão dizer: “Acho bonito”; outros vão dizer: “É horrível”.

Há edifícios sobre os quais se consegue atingir um consenso; Não falamos necessariamente de arquitectura feita hoje...

Aí entra outra questão, muito importante, o tempo. Com o tempo as coisas ganham uma beleza que não tinham antes e é aí que começam a ganhar consenso. Quando a Villa Savoye [Poissy, 1929] foi construída tenho a certeza que haveria muita gente que não achava aquilo bonito; hoje em dia, o grupo de pessoas, independentemente de ser ou não de arquitectos, que olha para aquilo, como um objecto bonito, é muito mais vasto.

 

O que aconteceu?

Estamos a falar de obras que introduzem um certo corte, uma ruptura, no senso comum do que as pessoas acham bonito. E a arquitectura tem sempre a tendência para introduzir esse corte. Todos nós temos uma deformação profissional para tentar “cortar” – não sei se é um defeito, mas pode ser –, e essa “ruptura” dá-se mal com o olhar imediato e com os conceitos que as pessoas têm em determinado momento; portanto, a “história” e o tempo a passar acabam por “tranquilizar”. 

Por exemplo, escolhi o Centro Pompidou [Renzo Piano e Richard Rogers, Paris, 1977]  – que acho um edifício fantástico – para tema de uma aula. E um colega, Carlos Prata, que é de uma geração anterior à minha, dizia: “Quando se fez isto achava horrível; ia contra todos os meus princípios, mas agora acho fantástico.” No fundo, é um pouco esta ideia: para a minha geração, o Centro Pompidou já é um “edifício fantástico” desde o princípio...

 

É verdade que tanto o Centro Pompidou como a Villa Savoye “rompem” com a história anterior...

E trazem um conceito estético novo.

 

Mas não são edifícios que tenham de imediato a adesão do senso comum. Não será necessário que o tal consenso tenha de se construir através de discursos – racionalizações –
que se vão fazendo até que o público comece a aderir, a “ver” a beleza?

Essa racionalizações tornam-nos melhores, à vista dos outros.

 

A ideia de beleza não será, portanto, uma ideia construída?

Quer em relação à arte quer em relação à arquitectura falamos de coisas artificiais e abstractas. É tudo construído e tem tudo referenciais. Os referenciais vêm de trás, vêm de lado, vêm da frente, vêm da natureza, vêm da geometria ou do que for; mas tudo isto é social, é quase como a espécie humana, com a sua tendência para criar regras artificiais para gerir a sua própria natureza.

 

Os seus referenciais “conscientes” quais são?

São projectos de que me lembro – projectos, obras, ou sítios – e depois o desenho, com um lado físico mais incontrolado.

 

Trabalhar através do desenho ou com maquetas gera projectos diferentes?

Linguagens diferentes, sim. Não há melhor nem pior, não interessa discutir isso. Mas a questão do desenho tem um lado físico que é mais difícil de explicar. Também tem um lado racional muito forte: aquilo não é a mão, sozinha, a desenhar.

 

Na cultura popular temos situações às quais conseguimos aderir e entender como belas. Essa cultura popular não pressupõe nenhuma reflexão, maquetas, desenho, acerto com a história... há um fazer com muito à-vontade...

Não concordo muito com isso... pegando, por exemplo, na arquitectura do Inquérito: tudo aquilo, embora empírico, tem tradição e, logo aí, a história está lá, as formas, o processo construtivo, etc., se fizermos a analogia com o trabalho de um arquitecto, é igual. Depois, tem um lado funcionalista extremo...

Digamos, aquilo pressupõe um know-how e a beleza tem que ver exactamente com esse primarismo, funcionalista, estrutural e construtivo. Esse primarismo é uma ideia de pureza, equilíbrio, harmonia, que tem tudo que ver com beleza.

 

Tudo o que referiu, funcionalismo, clareza construtiva, não provam que a beleza é, de facto, completamente racionalizada, até mesmo na arquitectura popular? Ou a beleza não será tanto apreendida pelas pessoas que a produziram mas mais pelas pessoas que a analisam?

Não diria que é inata, torna-se inata. Vemos aquelas casas, nas aldeias, como um “bloco de pedra”, com uma porta e uma janela, e achamos maravilhoso, parece de uma composição intencional. A pessoa que a construiu, usou um processo construtivo que lhe era familiar mas acredito que lhe não seria indiferente a beleza do conjunto; ou seja, esse homem, quando estava a compor a janela, certamente que lhe passavam coisas pela cabeça, do género: “Esta janela está feia assim, vamos pô-la um bocadinho mais alta e vamos pôr isto, assim, simétrico”... Estas pessoas, por muito “analfabetas” que fossem, não negligenciavam a beleza por completo. 

 

Uma coisa será a beleza, outra, o empenho com que as pessoas fazem as coisas; nestas casas de pedra, o empenho era total ainda que o resultado fosse pouco inventivo, sempre igual, mas os seus autores estão ali de corpo e alma. Isto não entra na leitura da beleza? Não conseguimos também que este empenho, este envolvimento, este lado afectivo, seja “celebrado”, quando estamos a reconhecer a beleza das coisas?

Sim, o acto do projecto tem um lado emocional, porque é um acto artístico e isso vê-se nas obras. Os arquitectos têm todos uma flutuação, umas obras melhores que outras e há sempre aquela em que se percebe logo que houve uma motivação extra; ou, então, um momento de maior criatividade e, por isso, de maior encontro com a beleza ou com a sua noção de belo. Se perdermos isso, deixa de haver arquitectura e fazemos todos umas “fachadas” iguais; seria a anulação da própria disciplina.

Se um edifício estiver associado a um regime ideologicamente reprovável isso pode-nos impedir de ver o seu potencial de beleza? 

Quando olho para aqueles tribunais, com aquelas colunas de 20 metros de altura, identifico aquilo com um regime mau e com uma escala desumana e isso impede-me de achar aqueles edifícios bonitos.

 

Que relação tem com a arquitectura historicista do século XIX? Considera que o Movimento Moderno moldou a sua ideia de beleza?

Não. Aquelas coisas todas do [Karl Friedrich] Schinkel, aquilo é neoclássico do melhor que há.

 

O Schinkel é o herói do Mies van der Rohe, não vale. Queremos outros exemplos.

O Hotel Infante Sagres do Rogério de Azevedo. O Rogério de Azevedo tem aquela coisa fantástica perto da Avenida dos Aliados, a sede do Comércio do Porto [1931], um edifício quase neoclássico, com uns frontões e umas torres. Depois, tem a garagem [do Comércio do Porto, 1928-1932], atrás, que é ligeiramente posterior a esse e que já é modernista e, finalmente tem lá mais para cima o Infante de Sagres [anos de 1950]. Acho esse edifício muito interessante: aquela composição de fachada é quase super “minimalista”, mas, depois dentro... aqueles salões, com aquele ar vitoriano, muito confortável... Acho interessante, bonito.

 

Não estará a misturar a ideia da beleza com a ideia de conforto?

A ideia de beleza tem que ver com conforto. É difícil separar.

Os arquitectos todos gostam daquela arquitectura mais abstracta sobreposta à natureza mais orgânica. Eu, pelo menos, gosto e aproximo-me muito disso. Mas depois, entrando em contradição, também gosto muito de certos ambientes vitorianos. Talvez tenha que ver com o próprio Porto e com as vivências que tive, as casas dos pais e dos avós e com um certo conforto que se reencontra naquela estética do Infante de Sagres, de algum peso e de alguma forma. Provavelmente isto é contraditório. E talvez não. Visitei aquele edifício fabuloso de Le Corbusier em Genebra, o Immeuble Clarté [1930-1932]. Quando foi feito, era do mais radical que havia. Entrei num apartamento de uma senhora (que era sobrinha dele, inclusive), e tinha uma decoração, entre o vitoriano e as coisas originais de Le Corbusier... Era a prova de que estes dois mundos não são incompatíveis.

 

O Oscar Niemeyer afirma que a arquitectura só melhora a vida das pessoas quando surge como bela. Isto faz algum sentido?

Acho que, em última análise, é isso. Essa ideia do Niemeyer é fantástica. Para mim é quase a definição da disciplina. O que o arquitecto acrescenta em relação ao resto é uma “noção de beleza”. Qualquer um de nós consegue desenhar uma casa, mas só os arquitectos é que introduzem essa questão, ou sabem fazê-lo. Em todo o caso, essa afirmação é “perigosa”, porque se for interpretada de uma forma rigorosa torna-se uma banalidade sem sentido; mas nós sabemos do que estamos a falar...

 

O perigo da afirmação de Niemeyer estaria em apoiar – em certa medida – a ideia dos arquitectos enquanto fazedores de ícones, retirando força à grande bandeira da arquitectura no pós-guerra: a dimensão social da arquitectura.

Uma grande componente dessa dimensão social, é a componente estética.

Vamos pegar num caso de um bairro social: uma coisa são uns caixotes em cima de um terreiro, outra coisa é a mesma “funcionalidade” desenhada por um arquitecto que tem uma determinada noção estética daquele elemento, na cidade. Ou seja, essa componente social é absoluta.

 

Tudo tem de estar nesse campo do “quase sublime”, ou há um outro campo, menos heróico, para os arquitectos, de “corrigir”, de pôr o melhor e o mais bonito possível, coisas modestas que fazem falta?

Claro, mas só essa descrição, não tem que ver com beleza? É o que estou a dizer: “pôr me-
lhor”; “pôr mais bonito”, isto não tem uma ideia de estética? De beleza? Das coisas ficarem bem? Se nós retirarmos isso, acabou a arquitectura. Quando a procura – assistimos, por vezes, a isso – é só única e exclusivamente estética, geralmente as obras são um desastre. São as chamadas obras formalistas, que não têm conteúdo e, curiosamente, no fim, fica feio. Vou dizer uma frase muito banal: o formalismo é aquela coisa da “forma pela forma”; tem muito que ver só com a imagem; a imagem é uma coisa à qual sou pouco sensível. Só para dizer que, realmente, a beleza é fundamental mas no processo de criação não pode ser a única coisa eleita, nem um fim em si própria.

 

O desequilíbrio ou a falta de proporção canónica conduz ao feio? Estamos a pensar em
arquitectos como Robert Venturi, por exemplo...

O que o Venturi faz não é feio; é uma ideia de provocação, o que é diferente. É um bocado como o James Stirling; são dois arquitectos seminais. Influenciaram milhões de pessoas. São arquitectos que têm uma linha de investigação artística muito forte. E é evidente como aquilo anda ali tudo na “corda bamba”, há alguns “desequilíbrios”, mas não considero feio. 

 

Haverá um consenso popular, em relação à beleza?

Não, acho que não. Nem entre os pares há consenso.

 

Há grandes obras consensuais; por exemplo, a Casa de Chá de Álvaro Siza.

O tempo tem muita influência; tem que ver com a memória, com a história, e os edifícios vão acumulando consensos. É a construção de um imaginário. Uma adesão imediata é muito difícil. Mas também terá que ver com uma qualidade antropomórfica: as pessoas identificam o construído com o próprio corpo. A própria ideia de beleza da forma, em arquitectura, tem sido uma relação constante com o corpo. Alberto Carneiro, quando era nosso professor, dizia: “O desenho é o corpo no espaço.” Esta ideia de que tudo aquilo para que olhamos, e em que há um desfrute estético, implica uma relação muito física... isto pode ser a explicação... existir uma relação confortável com o nosso corpo. |

 

1.  Nuno Brandão Costa é docente da unidade curricular de Projecto na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.


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